A dimensão Tempos e Percursos diz respeito aos períodos (Tempos) e trajetórias padrão (Percursos) que se identificaram a partir das diferentes histórias. Nos Tempos encontram-se os anos 1970 (anos 1970 antes e depois do 25 de abril), os anos 1980, os anos 1990, a década de 2000 e a década de 2010. Nos Percursos, destacam-se os primeiros anos de trabalho e identificam-se especificidades em função do nível de ensino e das disciplinas lecionadas.
“Posso-lhe aprofundar mais a questão do acolhimento. Agora não, porque somos nós a acolher as mais novas (risos), mas no princípio da carreira fui sempre muito bem acolhida. Eu lembro-me que em Covas, Covas do Douro, que era uma aldeia mínima, que as figuras principais eram o Padre e o Professor primário. Nessas aldeias era assim. Entretanto chego eu e eles acolhem-me de uma forma … Eles queriam que eu ficasse em casa deles, que não viesse dormir a casa, porque eram muitos quilómetros. Davam-me tudo, “o que precisas, tudo o que precisares, diz”. Eles faziam-me tudo. Era como se fosse um bebé recém chegada. Era uma coisa impressionante! Às vezes, recordo-me que uma vez, era ensino público, escola pública e uma vez o professor diz-me assim “é quase Natal, as férias estão aí, mas tu vai mais cedo porque tu moras tão longe, vai ter com a tua família, vai mais cedo que aqui não vem ninguém” (risos)”. (Gina, Educação de Infância)
“Primeiro, foi aquela questão da instabilidade. Eu andava ali em substituição. Depois, eu não tinha transporte, não tinha carro, nem pensava nisso ainda na altura. Eu queria ser autónoma financeiramente e poder adquirir um carro, claro. Estava sujeita aos transportes públicos e às boleias – tenho essas histórias caricatas com as boleias. A primeira vez que eu trabalhei foi em Vendas Novas e não tive qualquer contato com crianças. Estive lá treze dias e foi para montar a sala, porque a colega entretanto regressou. O meu primeiro contato com crianças foi em Évora Monte e senti-me completamente… Já tinha tido o estágio…” (Gracinda, Educação de Infância)
“Não fiquei colocada logo no início. Na Guarda, a colocação estava dificil. Como eu disse, eu preferia concorrer para os lados de Castelo Branco, tudo para cima, porque em termos de transporte era muito mais fácil. Entretanto, soube que umas colegas minhas tinham ficado colocadas em Castelo Branco – em outubro – e alguém disse que para eu ficar colocada na Guarda teria de esperar até janeiro. Eu não queria esperar até janeiro e em Portalegre havia vaga. Portalegre é muito longe, em relação à minha terra, mas eu quis ir. O meu pai, que Deus tem, fez o favor de me acompanhar. Para mim, ir sozinha teria sido muito complicado. Em termos de transporte havia uma certa facilidade. Fomos até Castelo Branco, de Castelo Branco fomos para Portalegre. Passaram uma carta para me apresentar na delegação de Ponte de Sor. No mesmo dia, o meu pai levou-me e já me deixou com o quarto alugado. Fiquei numa pensão. Foi muito bom, porque na altura eu ainda não tinha telemóvel.” (Carla, 1º CEB)
“Eu fiquei colocada numa escola no meio rural. O primeiro espaço era fora do edifício principal, num primeiro andar. Estava um bocado isolada. As minhas colegas estavam no edifício principal. Havia, se calhar, um número elevado de alunos e depois aquela turma estava ali num outro espaço anexo à escola. Foi um primeiro ano atribulado, sem experiência nenhuma, etc. O que me valeu foi uma colega de quem ainda sou amiga e depois de quem fiz amizade mais tarde, ao longo do meu percurso.” (Celeste, 1º CEB)
“Portanto estive dois anos no Alentejo por conta do Ministério da Educação. Mas foi muito difícil inicialmente, primeiro pela distância, depois o horário também não foi muito colaborante nesse aspecto, porque dava aulas ao sábado de manhã e tinha a quarta feira livre que não dava de todo para vir a casa. Os transportes eram muito exíguos em termos de ligação. Havia uma camionete para a Praça de Espanha onde eu morava, era bom nesse aspeto, mas só havia uma porque saía de manhã ao sábado e voltava ao domingo depois de almoço. Portanto, enquanto não arranjei uma alternativa com uns médicos e umas colegas que lá estavam e que também eram de Lisboa, foi duro. Mas foi durante esse período que eu tive que decidir e pronto. E acabei por ficar. Fui parar a uma casa através de uma colega que era minha amiga. Ela foi parar a Trancoso e eu fui parar à terra onde estavam os tios dela e, portanto, os tios acolheram-me. Mas foi muito complicado porque eu só sabia um caminho. Não havia telemóveis não era? Só sabia o caminho do correio para ir para a escola, inicialmente. O clima foi muito adverso nesse ano! O inverno foi muito doloroso. Ali é muito duro porque é de extremos, muito quente e muito frio, e eu não estava habituada. Ao fim de semana não se passava nada, não havia uma papelaria, não havia uma pastelaria. Havia ainda as lojas que vendiam um pouco de tudo e, portanto, para mim foi assim… Olhe, no fundo foi conhecer uma realidade que para mim era totalmente desconhecida. Em termos escolares foi muito, foi muito bom porque fui parar a uma escola que era um antigo colégio de freiras, portanto tínhamos instalações ótimas. Ainda tinham os dormitórios ao lado, que acolhia professores – por acaso eu não fui para lá -, tinha uma quinta, que no fundo seria uma quinta pedagógica em que os miúdos cultivavam e havia alguns adultos que também cultivavam os géneros que a maior parte deles eram todos absorvidos no refeitório e, portanto, a alimentação era ótima. O ambiente foi muito bom, entre colegas do Norte, entre colegas de Lisboa e os residentes mesmo de lá. Mas tudo isto demorou algum tempo. Quando já estava integrada, acabou o ano e vamos embora!” (Constança, 2º CEB)
“No ano seguinte, fui parar a Peniche, para uma aldeia de Peniche e foi uma experiência incrível, porque eu lembro-me que chorei quando para lá fui, porque eu não fiquei na Benedita porque não pedi a recondução, queria aproximar-me de casa, e fui parar mais longe, fui parar a uma aldeia de Peniche. E na altura era duro, porque não tinha carro, eu para ir para lá daqui tinha de ir até à Cruz da Légua – portanto, eu vivo no Juncal, agora, e, na altura, vivia no Juncal, eu sou daqui – e então, tinha de ir dois quilómetros até à Cruz da Légua, portanto, tinham de me ir levar de carro. Ou ia a pé, mas, geralmente, iam-me levar de carro, o meu pai. Depois tinha de ir para as Caldas, depois das Caldas ia para Peniche e depois, de Peniche, ia para a aldeia. E quando vinha – havia aulas ao Sábado de manhã, isto ainda antes do 25 de Abril – eu para conseguir vir a casa tinha de roubar um bocadinho de tempo à escola para ir para Peniche, para depois ir para as Caldas, para depois vir para a Cruz da Légua, e chegava aqui por volta das 16h. E depois no Domingo às 16h tinha de me ir embora outra vez.” (Fátima, 2º CEB)
“Eu acho que entrei bem. Olhe, por acaso, entrei num sábado à tarde. Foi o que foi. Quando eu dei a primeira aula, foi num sábado à tarde. Na altura havia desdobramento de turmas dada a dificuldade das instalações… Não havia instalações porque tinha sido alargado o ensino obrigatório até ao ensino preparatório, como se chamava na altura, o quinto e sexto anos. Portanto, havia dificuldade em instalações e, então, muitas escolas recorreram à construção de pavilhões em madeira. E foi aí, num pavilhão desses que eu iniciei. E acho que me correu bem. Acho que foi uma estreia… Gostei, não tive nenhum problema. Os alunos penso que também, também gostaram. Foi agradável, foi agradável.” (Amélio, 3º CEB e ES)
“Eu acho que fui bem recebida no essencial dos meus primeiros anos, bastante bem recebida. Quer antes, quer depois do 25 de Abril. O nosso problema era – e, por exemplo, o meu grupo era uma disciplina que tinha poucos lugares, tinha poucas vagas. E uma pessoa que fazia estágio… e depois eu fui para Vila de Conde como professora agregada, não era efetiva ainda, mas já tinha feito o estágio, mas não era efetiva porque não havia vagas e, infelizmente para mim, entrei numa lista para um conselho diretivo e, portanto, aqueles dois anos eu sabia que ficava ali, porque era do conselho diretivo, e então concorri para efetiva – havia muita dificuldade de lugares para Filosofia, então concorri efetiva pelo país todo, eu lembro-me. Pela costa, a ter que sair queria ir para a beira-mar [risos], que é à beira-mar que eu vivo. Então fui pela costa e fiquei em Vila Real de Santo António. Quer dizer, mais um passo estava em Espanha, [risos]. Fui lá só uma vez apresentar-me, tinha ido ao Algarve e fui lá apresentar-me, mas não fiquei. Depois também fiquei em Sintra e depois a pessoa vai-se aproximando. No segundo ano, fiquei em Sintra já e fui-me também lá apresentar, mas continuava na escola onde estava, ainda estive para lá uns três anos assim. E finalmente fui para – eu pensei que era muito perto, mas depois quando fui lá de carro é que vi que não – fui para Mangualde. E Deus me livre. Eu acho que a esse nível nós tínhamos uma vida tramada – e eu penso que ainda têm, ainda têm – porque a gente tinha que manter a casa que tinha, não é?” (Catarina, 3º CEB e ES)
anos 70
“Talvez, não sei, a mim custa-me estar a dizer mal de colegas, mas para a época talvez não se tivesse esforçado muito ao longo do ano porque nós tínhamos metas para apresentar no ensino. Tínhamos metas de sucesso. No primeiro ano de escolaridade nós tínhamos a obrigação de apresentar 65% de aprovações e nos outros anos de escolaridade, nas outras classes que era como se chamava na altura, nós tínhamos obrigação de apresentar 75%. Portanto, eu teria de apresentar 65% no primeiro ano, 75% no segundo,75% no terceiro e 75% no quarto. E, realmente, as matérias estavam muito mal consolidadas2 (Clara, 1.º Ciclo).
“Hoje é perto, mas naquela altura era difícil ir ao Porto porque os transportes eram escassos e tínhamos que atravessar o rio Douro. Conclui a escola primária e abriu a 5.ª e 6:º classe. Depois de terminar a 6.ª classe não havia mais nada exceto ir para as minas trabalhar ou emigrar. Na altura em 1969 não era fácil fazer opções de vida. Como tinha vontade de continuar a estudar só me restava ir para o Porto, mas para isso fiz exame de acesso à escola técnica de Gondomar e ao liceu D. Manuel II. Como tive aproveitamento nesse exame fui para a Escola Soares dos Reis, mas como era preciso dinheiro inscrevi-me nas oficinas de S. José e fui aceite, onde trabalhava 8 horas e assim tinha cama e as refeições. Foi um caminho doloroso e de trabalho, mas cheio de vontade. No horário pós-laboral fiz o curso de compositor tipografo na Escola Soares dos Reis e fui trabalhar numa empresa de Artes gráficas” (Carlos, 2.º Ciclo).
“No ano seguinte, fui parar a Peniche, para uma aldeia de Peniche e foi uma experiência incrível, porque eu lembro-me que chorei quando para lá fui, porque eu não fiquei na Benedita porque não pedi a recondução, queria aproximar-me de casa, e fui parar mais longe, fui parar a uma aldeia de Peniche. E na altura era duro, porque não tinha carro, eu para ir para lá daqui tinha de ir até à Cruz da Légua – portanto, eu vivo no Juncal, agora, e, na altura, vivia no Juncal, eu sou daqui – e então, tinha de ir dois quilómetros até à Cruz da Légua, portanto, tinham de me ir levar de carro. Ou ia a pé, mas, geralmente, iam-me levar de carro, o meu pai. Depois tinha de ir para as Caldas, depois das Caldas ia para Peniche e depois, de Peniche, ia para a aldeia. E quando vinha – havia aulas ao Sábado de manhã, isto ainda antes do 25 de Abril – eu para conseguir vir a casa tinha de roubar um bocadinho de tempo à escola para ir para Peniche, para depois ir para as Caldas, para depois vir para a Cruz da Légua, e chegava aqui por volta das 16h. E depois no Domingo às 16h tinha de me ir embora outra vez” (Fátima, 2.º Ciclo).
“Tenho 70, 70 anos, e comecei a trabalhar tinha uns 22 ou 23 anos, nem tinha acabado o curso, ainda. E comecei a trabalhar assim a meio de um ano. Comecei a trabalhar a meio do ano porque na altura havia colonialismo, ainda, e a professora dessa escola foi para Angola, Moçambique, não sei. E convidaram-me para eu ir lecionar aquelas turmas que ela deixava. E eu como queria casar e não tinha dinheiro, então resolvi – e como gostava – a minha mãe já era professora, de maneira que eu gostava do ensino, e então aceitei. Foi um bocadinho… no início, foi um bocadinho, como é que eu hei-de dizer? Havia muitos nervos, porque entrava naquelas salas e eram quase tão grandes como eu, as raparigas. E havia turmas de raparigas e turmas de rapazes. Não era…” (Rosário, 2.º Ciclo)
“… no antigo regime, como professora do antigo regime. Era uma coisa muito interessante que ela me disse há tempos… ela está reformada – : “Agustina, as minhas professoras, com quem estudei no Porto, e que depois se tornaram colegas, antes do 25 de abril, aquilo era segundo os ditames do regime, isto é, tínhamos um livro único,” dizia ela, “tínhamos um livro único, a professora só podia dizer determinadas matérias, não podia sair dali, porque senão era controlada até pelo reitor, etc., etc. Mas eu tive algumas professoras novas mas que faziam o mesmo: Também era segundos os ditames do regime, com aquele ensino prescrito, tudo, não porque elas fossem” – e isto é que eu acho interessante – “não porque elas… estou a falar das minhas professoras,” – dizia a colega – “não porque elas fossem impreparadas, não era por impreparação. Era por medo.” E, portanto, quando nós, muitas vezes, criticamos de forma… eu dizia: “Mas como é que fez a transição do 25 de abril?” “Eu sempre fui um espírito aberto, já tinha os meus valores e atitudes, mas é um processo lento” (Agustina, 3.º Ciclo e Secundário).
“Ora bem, eu fiz na altura o exame. Havia um exame de admissão ou de aptidão para o ensino para um curso de ensino superior e eu fiz essa admissão para o curso de Biologia. Frequentei-o na Universidade de Coimbra. Foi um curso do ramo educacional. Portanto, tinha sido esse tipo de curso, com ramificação em educacional ou científica, tinha sido criada há relativamente poucos anos, antes de eu iniciar o curso. Na altura os professores um pouco mais velhos do que nós, que tinham feito o curso de Biologia antes dessa ramificação, achavam que nós, do ramo educacional, não teríamos a melhor formação científica” (Amélio, 3.º Ciclo e Secundário).
“Eu de 72 ao 25 de Abril estive suspensa da Faculdade de Ciências. Portanto, foram ali uma série de cadeiras que eu não consegui fazer porque não podia entrar na faculdade. Apesar de os professores serem impecáveis e de me encontrar com eles nos cafés e de me passarem os apontamentos porque estávamos sempre na expectativa de poder ir a exame e de poder acontecer. Portanto, houve muitos professores que nos ajudavam e que nos encontrávamos fora do lugar para nos darem apontamentos, para nos darem as coisas a dizer o que é que vinha para o exame […] o que é que tínhamos que fazer, o que é que tínhamos que estudar. Realmente, o corpo escolar sempre foi impecável, pelo menos na minha área… Foram sempre muito solidários” Talvez, não sei, a mim custa-me estar a dizer mal de colegas, mas para a época talvez não se tivesse esforçado muito ao longo do ano porque nós tínhamos metas para apresentar no ensino. Tínhamos metas de sucesso. No primeiro ano de escolaridade nós tínhamos a obrigação de apresentar 65% de aprovações e nos outros anos de escolaridade, nas outras classes que era como se chamava na altura, nós tínhamos obrigação de apresentar 75%. Portanto, eu teria de apresentar 65% no primeiro ano, 75% no segundo,75% no terceiro e 75% no quarto. E, realmente, as matérias estavam muito mal consolidadas” (Caetana, 3.º Ciclo e Secundário).
“Encarar a profissão foi muito engraçado porque eu fui colocada numa escola só masculina, que na altura eram masculinas e femininas. Uma escola técnica. E lembro-me perfeitamente que, quando subi as escadas da sala de professores para dar a primeira aula, estavam os alunos todos cá fora, já grandes, altos, no terceiro geral, que seria o equivalente ao nono ano. E o primeiro comentário que eu ouvi foi assim “Oh pá, já há miúdas cá na escola” e eu pensei logo “Isto vai ser lindo!”. Ou eu, como se costuma dizer, não mostro os dentes ou então vai ser um problema. Mas não. Depois dei-me muito bem com eles. Tive alguns problemas no princípio. Enfim, no princípio tudo muito sério e muito disciplinado, depois à medida que o ano foi passando criaram-se relações até muito agradáveis, eu gostei muito. Depois dei aulas à noite, também tinha um horário que tinha um misto noturno, e aí adorei”. (Camila, 3.º Ciclo e Secundário).
“No serviço cívico o Ministério pôs-me. Ou seja, o Ministério soube dessa experiência, não é?, e depois pôs-me a formar os estudantes do serviço cívico para irem alfabetizar. Foi um tempo fantástico. Eu passei uns poucos de conhecimentos a meia dúzia de pessoas e essas pessoas depois davam cursos, não é? As pessoas tinham que aprender. Não tinham lido Paulo Freire. Nem Paulo Freire nem nenhum outro método, não é? Portanto, o importante era desenvolver nas pessoas aqueles princípios que eram os princípios de Paulo Freire e que percebessem o método, a técnica em si. Eu comecei de uma forma calma, aqui no Porto, em comissões de moradores. Ia para lá à noite passar o Sal da Terra e outros filmes fantásticos, e conversava e alfabetizava. Até que às tantas resolvemos, um grupo de amigos, e fomos para Rio Frio, é assim que se chama a terra, é uma aldeia entre Paredes de Coura e Ponte da Barca, que não tinha nem água, nem tinha luz. Estamos a falar em anos 70, pronto, sim, fins, ‘74/’75. Verão de ’74, diria… talvez. Sei que as pessoas viviam em condições miseráveis, para os meninos dormirem metiam-lhes, isso toda a gente sabe, a rolha com o vinho, não é? E era assim que ficavam, porque iam trabalhar para o campo. As pessoas não podiam tomar banho. A água que iam buscar para cozinhar tinham que ir buscá-la ao rio, não tinham dinheiro para ir comprar água. Para conseguirem ir comprar qualquer mantimento que fosse tinham que andar não sei quanto tempo de carreira, ou para Ponte da Barca, ou para Paredes de Coura. Nós também. Não havia eletricidade. Nós guardávamos a nossa alimentação debaixo da terra, como faziam os açorianos. Não havia outra hipótese para conservar os alimentos, não é? As pessoas eram muito desconfiadas, ainda por cima Minho…” (Maia, 3.º Ciclo e Secundário).
“Estive nesta escola – portanto, eu fui do primeiro ano da Licenciatura em Química – Ramo Educacional. Não havia uma Licenciatura, isto foi antes do 25 de Abril, claro, comecei o curso em 1966 e, portanto, não havia ensino direcionado para o Ensino, tirava-se a Licenciatura em Química e depois, com sorte, fazia-se o estágio pedagógico – mas era muito difícil aceder ao estágio. E então efetivar, como se dizia na altura, isso era impossível, era impensável. E portanto, eu fui do primeiro curso dirigido para o ensino, portanto, nós fazíamos 3 anos de ensino científico, ensino normal, e depois quem queria seguir investigação prosseguia com disciplinas científicas; quem queria ir para o ensino, como era o meu caso, tínhamos 2 anos direcionados para o Ensino: mantínhamos algumas disciplinas mas tínhamos pedagogias, didáticas, metodologias da Física e da Química…e depois, o último ano, era de estágio, onde nós dávamos aulas – que eu fiz em 72/73, nessa altura, no Liceu RSI. Nós não tínhamos turmas atribuídas, mas lecionávamos nas turmas da nossa orientadora de estágio, que era uma professora espetacular – temos recordações fantásticas dela – e que nos incutiu o espírito de que a Física e a Química são ciências experimentais. Portanto, “…vocês têm que, por tudo e por nada, fazer experiências. E as experiências têm de se preparar, portanto, não podem ir para a aula sem ter testado 10/20 vezes para saberem tudo o que pode acontecer e depois resolverem o que pode acontecer ou justificar com os alunos: não correu bem porquê?” ou qualquer coisa que houve. Ela era formidável. Nunca mais me esqueço que – calhou-me a mim dar o tema da Acústica, e eu nunca mais me esqueci de estar no laboratório com uma mesa praticamente do tamanho desta, cheia de material, para os alunos fazerem experiências, e eu com eles. E, portanto, esse bichinho ficou-nos, portanto, a Química e a Física são ciências experimentais. Ela era, realmente, fantástica. Em 72/73 acabei o estágio. ” (Violeta, 3.º Ciclo e Secundário).
“Entretanto, estávamos naquela altura, em 1973, em que se tentava combater o analfabetismo, tanto lá em Angola, como no Brasil, Paulo Freire, por ali. Então resolveram dar formação aos professores – professores que não eram professores – que estavam a dar aulas mas que não eram professores. Íamos tirar o Magistério, mas sem estarmos no Magistério. Isto era feito assim: era feito via rádio, como faziam aqui com a TV, que fizeram aqui durante uns anos. Olhe como fizemos agora com o COVID. Portanto, lá não havia televisão e era uma estação de rádio, a partir das 05h00, uma estação de rádio em que se davam as aulas. Pedagogia, Didática A, Didática B, mais não sei quantas, e Matemática. Davam as aulas ao sábado. Íamos todos – quem estivesse ali em Nova Lisboa, mas também havia noutros lados – a uma escola central, iam lá os professores, íamos debater, tirar dúvidas, falar sobre o que tinha acontecido durante a semana e recebíamos, de novo, as próximas sebentas para a próxima semana” (…) Entretanto, estávamos naquela altura, em 1973, em que se tentava combater o analfabetismo, tanto lá em Angola, como no Brasil, Paulo Freire, por ali. Então resolveram dar formação aos professores – professores que não eram professores – que estavam a dar aulas mas que não eram professores. Íamos tirar o Magistério, mas sem estarmos no Magistério. Isto era feito assim: era feito via rádio, como faziam aqui com a TV, que fizeram aqui durante uns anos. Olhe como fizemos agora com o COVID. Portanto, lá não havia televisão e era uma estação de rádio, a partir das 05h00, uma estação de rádio em que se davam as aulas. Pedagogia, Didática A, Didática B, mais não sei quantas, e Matemática. Davam as aulas ao sábado. Íamos todos – quem estivesse ali em Nova Lisboa, mas também havia noutros lados – a uma escola central, iam lá os professores, íamos debater, tirar dúvidas, falar sobre o que tinha acontecido durante a semana e recebíamos, de novo, as próximas sebentas para a próxima semana. (Rita, Pré-escolar).
anos 80
“quando estive em Alcácer do Sal, foi num projeto de investigação- ação, talvez o primeiro em Portugal, nos anos 80. Era um projeto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Bernard Van Leer, que já tinha mais experiência neste tipo de projetos de investigação. A Fundação Calouste Gulbenkian foi quando se iniciou nestas andanças. E o diretor do projecto foi precisamente o Professor B P e tive um ano de trabalho com ele, com reuniões semanais, eram à segunda-feira. Era lá o confessionário (risos) e ia-lhes dizendo o que é que se ia fazendo no terreno e portanto, ele ia dando também algumas achegas. E, portanto, tenho boas recordações desse tempo e do professor B P C. Nessa altura ele era o nosso diretor”. (Noel, Educação de Infância)
“Só ao fim desse ano, 82/83 é que iniciou também a escola em Portalegre. E aí é que começaram a aparecer, a fazer o curso. Nessa altura houve um curso de promoção, que era para auxiliares que quisessem ser educadoras e para aí no segundo ano tive logo estagiárias desse curso. Portanto a educação de infância era, naquela altura, era das instituições particulares” (Olga, Educação de Infância)
“Eu tinha os quatro anos, então nestas aldeias a gente tinha os quatro anos, portanto eram os quatro anos, era muito difícil! Tinha-se os quatro anos e ainda se levava os filhos que a gente tinha. Às vezes ficavam nas amas, mas a partir dos três anos eu levei sempre e a maior parte dos colegas aqui em Trancoso também levava. Mesmo os inspetores chegavam e não ligavam muito a isso, eram os filhos da professora que não tinha onde os deixar”. (Gabriela, 1º CEB)
“Nós, antigamente, não tínhamos pessoal auxiliar nas escolas. Éramos nós que tínhamos que fazer praticamente tudo, exceto limpar a escola – ia lá uma tarefeira ao fim de semana. Desde fazer a contabilidade do gás, comprar o gás, essas coisas todas que tínhamos que fazer. Também geríamos os intervalos. Ninguém me dizia se eu só tinha feito um intervalo de cinco minutos ou se no dia a seguir eu tinha feito [intervalo de] 45 [minutos]. Eu tinha essa autonomia”. (Gaspar, 1º CEB)
“Eu estive mesmo fora da escola. Estive fora da escola, como é que se diz? Estive destacada. Primeiro destacada e depois em reposição de serviço. Foi isso. Claro que mantive a minha efetivação na E. E., claro! Isso já se sabe. Depois mudaram os governos, etc. e tal, isto é mesmo assim não é? Eu tive a sorte – eu tive muita sorte, sempre! – naquele tempo, portanto 88, eu entrei em 88, estava no ministério o extraordinário, o imenso Roberto Carneiro! O melhor ministro que nós tivemos desde o Veiga Simão! Uma coisa! Um senhor! Um senhor sabedor, não era só um senhor, sabia daquilo e tinha um jeito para falar, era realmente um encanto e sabia imenso. E fez aquelas coisas maravilhosas, foi com ele que começou as Ciências da Educação em Portugal, pronto com aquele grupo dos documentos preparatórios que foi do melhor que se fez em Portugal.” (Glória, 2º CEB)
“Tínhamos alunos que tinham frio, fome, tudo menos vontade de aprender, porque lhes faltava o básico. Na altura, realmente os professores eram muito unidos, muito unidos, ao contrário de hoje. Nós levávamos comida para a escola, pacotes de leite e outras coisas assim para distribuir aos alunos. A escola também dava o que podia. Foi uma experiência de solidariedade muito gratificante.” (Iva, 2º CEB)
“Na altura abriu o mestrado em Ciências da Educação, para preparação de professores nas Escolas superiores de Educação. Não sei se sabe, mas o ensino superior politécnico iniciou-se com as escolas superiores de educação. Não havia outras escolas. Pronto, eu fui fazer esse curso e esse mestrado foi lecionado por uma universidade americana, a Boston University. Contudo, a maior parte do curso foi cá. Os professores eram menos. Deslocavam-se eles cá. Tivemos, depois, um semestre lá em Boston a visitar escolas, a inteirar-nos do funcionamento das escolas. E esta era só uma das coisas que se fazia nesse nesse terceiro semestre. Depois no quarto semestre regressámos para fazer a tese.” (Amélio, 3º CEB e ES)
“Eu iniciei em 82/83, pois iniciei naqueles chamados miniconcursos. Na altura, ainda havia miniconcursos. Depois estive na Maia. E depois concorri para Ovar. Havia aqueles concursos plurianuais. Era difícil arranjar estágio. E depois resolvi concorrer para estágio e fiz o meu primeiro ano de estágio no Entroncamento. As pedagógicas eram na Escola Superior de Santarém, depois de fazer a prática pedagógica, as aulas assistidas em Vila do Conde e aí é que foi a grande transformação. Eu realmente já gostava, mas aí fiquei a adorar aquilo que fazia.” (Virgílio, 3º CEB e ES)
anos 90
“Entretanto, em 1997 saiu a Lei-Quadro que definiu os objetivos da educação pré-escolar, que já estavam definidos nos estatutos, mas revestiu-os com outra clareza e definiu os objetivos pedagógicos. A partir da Lei-Quadro surgiram as primeiras orientações curriculares para a educação de infância em 1997, um documento que não era nenhum currículo, nem é, porque elas foram reformuladas em 2016, mas são orientações que nos proporcionou – como na altura eu designei – um arrumar a casa, arrumar as ideias (…) E revestiu-se a nossa ação com uma intencionalidade muito maior”. (Mariana, Educação de Infância)
“A certa altura começa-se a notar que se está assim um bocadinho a ficar fora de contexto, um bocadinho para trás, que se está a falar muito à criança, tem-se aquele diálogo, aquela conversa linear, não se pensa muito, e então resolvi (risos) um dia, quando descobri que não sabia quem era o Vygotsky, que ia tirar um curso superior e foi quando me meti em Ciências da Educação. Depois mais tarde fiz Ciências da Educação” (Mónica, 1º CEB)
“Mais tarde em 1994 ingressei na licenciatura em Ciências da Educação onde obtive ocertificado de licenciatura.” (Carlos, 2º CEB)
“Sim, esta escola faz parte da minha vida. São experiências de grande sensibilidade. Foi lá que eu conheci o meu marido (risos). Foi para lá que eu levei a minha filha de duas semanas que foi criada por toda a gente, que andava de colo em colo e que eu não me orgulho nada disso, mas… Foi uma experiência (…) a minha filha nasceu em 1998, a L. E eu levei-a para a escola porque era presidente do conselho executivo. Ela ainda não tinha três semanas. Toda a gente lhe mudava a fralda, lhe dava de mamar e tudo isso, era assim… Mas a L. adorou, a L. tem grandes mães, tem muitas mães naquela escola (risos).” (Fernanda, 2º CEB)
“entretanto, a Universidade de Aveiro, em 91 criou uma pós-graduação em administração escolar! E nós aqui, assim feitas malucas, a chefe como nós ainda lhes chamamos, a chefe que era a coordenadora da direção geral de pessoal, nós: eu, ela, e mais duas malucas metemo-nos para Aveiro para fazer a dita pós-graduação. E em boa hora! Porque realmente foi muito bom. Abriu-nos MUITO as vistas, deu-nos uma visão alargadíssima da educação e aprendemos muito” (Glória, 2º CEB)
“eu fui professora de Português e Francês e era para o que o curso servia, só que eu a partir de 93, era só Português. Só Português porque comecei a não me sentir útil, bem, a dar aulas de Francês. Por acaso acabei em beleza. Foi um projecto muito giro com a Câmara de Paris. Levámos uma turma de sétimo ano a Paris quatro dias, está a ver? É incrível! Não imagina! Isto nos anos 90, mas pronto, alguns nunca tinham andado de avião, mas pronto.” (Eva, 3º CEB e ES)
“Eu criei uma disciplina. Houve uma altura em que nós podíamos…já nem sei em que ano foi isso, também, para aí nos anos 90, em que nós podíamos, no 11o e 12o, oferecer uma disciplina de opção. Eles queriam todos a mesma coisa, era as informáticas, e eu resolvi criar uma disciplina, que teve de ser aprovada pelo Departamento do Ensino Secundário, que se chamava Oficina dos Discursos Marginais e Normativos.” (Maia, 3º CEB e ES)
“Nós resolvemos fazer uma semana cultural, era a moda das semanas culturais. Resolvemos fazer uma semana cultural que, fui eu que lhe dei o título, “Onde se fala e pensa Português”, era fazer um estudo sobre as regiões do mundo onde se falava Português e onde se pensava, que tinha influência dos portugueses. Isto foi muito engraçado, porque tomou umas dimensões… primeiro tínhamos uma comissão de trabalho, era eu, a C.G., C.F.,aquilo tomou uma dimensão de mexer mesmo com as aulas e de fazer as abordagens nas aulas, indo de encontro a isso, isto é, quando chegássemos a Junho já havia um trabalho feito realmente nas aulas, em todas as disciplinas. Todas as disciplinas tinham projetos e adaptação de currículos em função daquilo que nós queríamos apresentar. Portanto, eu lembro-me, por exemplo, que tinha que dar o conto, não dei nada do que estava nos manuais, dei o conto do Germano Almeida, que era um escritor cabo verdiano, por exemplo, aos sétimos anos. E os meus colegas faziam o mesmo em relação à Geografia…” (Rómulo, 3º CEB e ES)
anos 2000…
“Eu, a primeira avaliação de desempenho que fiz foi em 2009. Quem quisesse ter ‘Excelente’ tinha de ter aulas assistidas e organizar um portfólio com um conjunto de coisas, evidências, com os projetos e todas as atividades que a gente fizesse – o meu é gigante”. (Rita, Educação de Infância)
“As primeiras lutas que me recordo eram de quando surgiram greves, aquando daquela alteração do Estatuto da Carreira Docente, que acho que foi em 2007. Depois, aquela avaliação do desempenho no tempo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Foi essa que começou a pôr a profissão docente no fundo, lá no fundo. Pôs as famílias e a sociedade contra a classe docente. Depois, a avaliação do desempenho, as quotas, que eu acho que é uma enorme injustiça a nível de aposentação, alteração de regras, não ser de uma forma progressiva mediante os anos que cada um tinha.” (Gaspar, 1º CEB)
“E depois, com as novas tecnologias, a gente sentiu muito esse problema das novas tecnologias porque tivemos de nos adaptar. Tivemos de nos adaptar, pessoas de 50 e tal anos, quase 60, nós quase nunca tínhamos pegado no rato, por exemplo, para ir para o computador e tivemos de dar aulas à distância. Tivemos de acompanhar a telescola. Podemos chamar telescola porque foi um ano em que a televisão estava a dar e nós íamos acompanhando daqui. Tínhamos de receber os trabalhos dos alunos, corrigir e devolver aos pais”. (Gabriela, 1º CEB)
“Houve muitos colegas e eu, por exemplo, eu encontrei sempre nessas mudanças uma oportunidade de, enfim, de fazer algo diferente. Eu, pessoalmente, nunca fui resistente a essas introduções porque considerei-as sempre uma mais-valia e considerei que nós poderíamos sempre revertê-las em função das aprendizagens dos alunos. Mas, de facto, houve uma resistência muito grande…houve muito desconforto, houve muito mau ambiente sobretudo, por exemplo, na minha escola que havia apenas dois excelentes (um deles fui eu), passo a falta de humildade. Mas, efetivamente, as pessoas nunca mais me dirigiram a palavra da mesma forma. Curiosamente… É verdade… E eu sou a mesma pessoa. Mas as pessoas olharam-me sempre, a partir daí, de uma forma diferente.” (Fernanda, 2º CEB)
“Quando a carreira dos professores foi congelada, estamos a falar de 2012, creio eu. Esteve congelada ali meia dúzia de anos. E esse congelamento trouxe coisas muito negativas que cujos reflexos estão agora, como lhe dizia há pouco, estão na ordem do dia.” (Joca, 2º CEB)
“O Nuno Crato foi uma desilusão completa, aquilo foi um flop. Aquele homem fez mal, mal, mal à educação. Tudo o que ele fez foi mau. A forma como ele mudava os programas de Matemática sem avaliar os anteriores, sem não sei o quê… Pôs os professores em estado de choque. A história dos agrupamentos e dos mega-agrupamentos, que já vinha de antes, mas ele continuou, firmemente, a desenvolvê-los. Eu escrevi-lhe, nessa carta aberta, lembro-me perfeitamente de ter ouvido uma entrevista com ele, no tempo da Maria de Lurdes Rodrigues, que começou com os agrupamentos, lembro-me perfeitamente dele ter dito que era contra os mega-agrupamentos e porquê, e depois foi ele que os desenvolveu daquela forma. Ou seja, era um yes man. Era um yes man pouco preparado.” (Maia, 3º CEB e ES)