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DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

A profissionalidade de facto exercitada pelos professores em contexto escolar é central nesta dimensão, sendo abordada a partir das práticas quotidianas, dos materiais pedagógicos produzidos, das perceções, atitudes e sentimentos pessoais construídos e vivenciados ao longo da carreira profissional.

“Em 2006, houve um grupo que fez emergir um tapete que usei também durante os meus anos todos até agora, até o último grupo com quem estive, que era o tapete das novidades. O tapete das novidades. Para mim, estes objetos não são objetos, são dispositivos pedagógicos, porque eles criam imensas saídas, produzem até algum conhecimento, quer de si próprio, quer da sala, enfim, e portanto, são dinâmicos. Nunca são a mesma coisa, portanto, como são muito dinâmicos e são produtores de várias atividades que podem acontecer através deles, dali emerge muita coisa. São mais dispositivos pedagógicos que objetos, porque o objeto é mais estático, eles não são, eles são dispositivos pedagógicos, sem dúvida nenhuma.” (Rita, Educação de Infância)

“em termos pedagógicos houve uma evolução muito grande. Era a pedagogia por objetivos, depois veio a pedagogia por situação até que depois veio a pedagogia projeto. Foi evoluindo à medida que os estudos, também muito impulsionado pelas ciências da educação, pela evolução da pedagogia e da psicologia e o trabalho projeto que para mim é a forma de trabalhar mais abrangente e mais interessante”. (Mariana, Educação de Infância)

“Olhe, é assim, os materiais eram muito poucos, nós tínhamos que fazer os materiais, lembro-me que para fotocopiar, arranjávamos um tabuleiro de gelatina para fazer fotocópias e era assim, porque os materiais eram relativamente poucos. Poucos, ou quase nenhuns, ou quase nenhuns. E em escolas mais centrais havia mais um bocadinho, em escolas mais pequenas nas aldeias, não havia. Praticamente, nós tínhamos de nos reduzir ao quadro, aos materiais que íamos fazendo e aos livros. E aos livros que também havia pouca escolha na altura”. (Graziela, 1º CEB)

“Lembro-me que nessa escola tínhamos dois quadros pequeninos, pretos, a giz. Não tem nada a ver. As fichas de avaliação, as crianças copiavam as questões. Era tudo passado no quadro e as crianças passavam as questões e respondiam, em folhas A5. Algumas fichas eram passadas a químico. Também usava a máquina de escrever, mas a maior parte das vezes eles copiavam do quadro e respondiam às questões.” (Isadora, 1º CEB)

“Eu era professora de História e de Português na mesma e gostava de usar as tirinhas da Mafalda do Quino para introduzir não só a capacidade das crianças de refletirem, ou seja, de desmontarem aqueles textos e conversarem sobre, porque há sempre mensagens na conversa da Mafaldinha, mensagens críticas e que nos fazem sorrir para nós adultos, e depois que é preciso explicar às crianças. E sobretudo para os exercícios de discurso direto, discurso indireto.” (Esmeralda, 2º CEB)

“Quanto também às aulas, eu, dando Ciências, gostava de ter um laboratório para fazer as experiências: não havia, não havia, não havia laboratório. Às vezes, eu juntava as coisas que tinha em casa que me podiam dar jeito e andava com um tabuleiro e fazia, nas salas de aula, uma experiência, que era melhor do que eles estarem a ler somente o que estava no manual. E pronto, foi assim.” (Rosário, 2º CEB)

 

“eu em francês utilizava, com consentimento e com a ajuda das minhas professoras de técnicas de informação, das TICs, na altura utilizava a sala de computadores para trabalhar com eles em sites e coisas do género de francês. E eles gostavam muito mais do que de estar ali a fazer exercícios no quadro. Achava muito mais piada se fossem esses textos feitos no computador.” (Camila, 3º CEB e ES)

Foi solicitado aos professores que levassem para a entrevista uma fotografia ou outros objetos relacionados com a sua carreira profissional que lhes fossem especialmente relevantes (ver galeria abaixo).

Educação de Infância

“Olhe, muito bom, tem sido um percurso… eu tenho sido muito feliz, muito feliz mesmo no meu percurso. Tenho encontrado bons ambientes, tenho estado em boas escolas, também onde as equipas são coesas e somos uma família.” (Alexandra, Educadora)

“E então pensei: “Isto vai correr bem, tem tudo para correr bem. Estou aqui e quero mesmo muito terminar.” Apaixonei-me de imediato. Quando começámos foi uma paixão à primeira vista. Eu nunca poderia fazer outra coisa diferente. Eu que gostaria muito de ser arqueóloga. Quando era pequena, achava eu, ser arqueóloga era o ideal de vida – e que desisti da arqueologia porque achava que não tinha emprego. Realmente foi assim. Entrei por exclusão de partes, mas foi paixão à primeira vista, mesmo.” (Gracinda, Educadora)

“Acho que sou uma educadora apaixonada pelo meu trabalho. Gosto de estar com crianças. É muito curioso – quer dizer, eu já tenho 65 anos e, portanto, já tenho umas dorzinhas espalhadas pelo corpo. Eu pensava: “Como é que vou conseguir? As crianças vão olhar para as minhas rugas.”. Eu acho que as crianças têm direito de ter educadoras mais novas. Não é fácil. Não sei se derivado à minha paixão, mas acabei por perceber que sou capaz de pegar nelas ao colo. Uma educadora apaixonada pela profissão, que escolheu muito cedo. Sempre confirmo e continuo a confirmar que é aquilo que eu gostei de fazer.” (Maria Tiago, Educadora)

“É que eu gostei imenso de ser educador e quando me reformei valeu-me ter os netos pequenos para ir tratando deles. Ficava várias vezes com eles durante os dias da semana, porque de facto eu gostei imenso de ser educador de infância, de trabalhar com crianças e para mim deu-me prazer.” (Noel, Educador)


1º Ciclo

“Eu aprendi e adoro ensinar os meninos a ler e a escrever. Adoro quando eles me começam a ler as primeiras palavras. Adoro quando o pai me diz – e estando aqui em N. que é uma vila pequenina… as pessoas dizem: “Olha, ia com o meu filho no carro e ele ia a ler as placas.” Isso é o melhor feedback.” (Abel, 1º Ciclo)

“E, então, não há nenhum dia em que eu me aborreça de ir para a escola, porque: “Ai, segunda-feira, custa-me imenso”. Não. Acho que até acabo por deixar os problemas em casa, esquecer-me um bocado deles e ir trabalhar. Acho que me sinto mesmo muito bem.” (Anita, 1º Ciclo)

“(…) se houver uma próxima vida, eu quero ser novamente mulher, mãe e professora, numa versão melhor. Portanto, eu gostei da minha profissão e acho que não quereria outra.” (Filipa, 1º Ciclo)

“Eu, que quis sempre ser professora, e que fui professora, e que gostei imenso de trabalhar, tenho pena que as pessoas sintam isto. Tenho, por acaso, tenho. Tenho pena que as pessoas sintam que estão fartas e que querem sair da escola e que já não têm aquela alegria que nós tínhamos quando chegámos à escola, e que “fizemos assim” e “o que é que vamos fazer amanhã?” e “o que é que vamos fazer para a semana?” e “vamos fazer assim”.” (Inês, 1º Ciclo)

“Sim, nesse sentido, fizemos o melhor possível. Se gostaríamos de ter sido melhores? Com certeza, excelentíssimos, porque as crianças merecem pessoas excelentíssimas, isto é, e esse é que é o drama, não é? É não sermos todos em todos os momentos excelentíssimos. Isso é que é pena, mas não é possível. Nós somos pessoas.” (João, 1º Ciclo)


2º Ciclo

“Portanto, os meninos, nesta fase de 2º ciclo, com nove, dez anos, são meninos que respondem muito pelo agrado que querem fazer, ou ao professor, ou aos pais, ou aos tios ou aos avós, a quem cuida. Portanto, eu fiquei apaixonada e pensei “Não, não preciso procurar mais nada” e pronto.” (Aldina, Português, 2º Ciclo)

“E essa reflexão penso que é sempre muito, muito positiva e ajuda bastante porque aquele primeiro momento em que todos dizemos mal de tudo e que nos lamentarmos é que somos os desgraçados, mas depois vamos para a frente e agarramos no touro, digamos assim. E tem que ser!” (Fernanda, Português, 2º Ciclo)

“Acho que sim. Eu fiquei muito triste foi quando deixei as aulas, quando deixei as aulas fiquei assim um bocado em baixo de forma. Fazia-me muita falta o arranjar, o vestir, o ir ter com os meus meninos. Eu costumava dizer assim: “eu posso estar muito chateada, mas entro pelo portão da escola e esqueço-me de todos os sentidos que tenha”. Acabou-se. Ali, a escola, é aquilo: é os miúdos, é colegas e esqueço-me de tudo. E era verdade, fazia muito bem. Depois deixei de ter esse escape. Mesmo assim, comecei a dar explicações em casa para ter contacto com os miúdos, porque, de facto, ajuda muito. Adoro. Adoro ter contacto com gente nova.” (Rosário, Matemática/Ciências, 2º Ciclo)


3º Ciclo e Secundário

“É uma alegria ir todos os dias trabalhar com quem gosta, com quem está interessado, com quem tem gosto por aquilo, com quem tem vontade de aprender. O aluno faz o professor. A maior motivação de um professor é ter quem goste de aprender. Nestes últimos três anos tem sido um regalo trabalhar assim, porque, de facto, é um gosto ter essa ligação com os estagiários.” (Amadeu, Educação Física, 3º Ciclo e Secundário)

“(…) gostei muito, muito, muito, muito, muito. De forma que, quando eu até pensei em me reformar, não queria reformar-me. Eu adiei, adiei – o meu marido veio muito mais cedo. O meu marido veio reformado para aí oito anos ou dez anos antes de mim. Mas eu adiava, adiava. Para já, eu não conseguia imaginar-me dona de casa, que eu não gosto da vida de casa, mas faço, mas faço! Mas, por outro lado, adorava aquilo!” (Aurora, Economia, 3º Ciclo e Secundário)

“Depois, é engraçado. A gente apanha-os com 12 anos de idade e a gente larga-os com 18 [anos de idade]. A gente vê a transformação dos alunos. Criamos ali uma amizade muito grande. Isso vale a pena. Se alguma coisa, ou se calhar a única coisa, que esta profissão tem de bom é este contacto que nós temos com os alunos. Acho que é uma maravilha e não há nada que pague.” (César, Matemática, 3º Ciclo e Secundário)

“Eu acho que isso é o mais gratificante de tudo, porque eu sei, eu sinto-me realizada e quando me vier embora, eu sinto-me realizada, porque eu sei que ajudei a construir esta sociedade em que estamos inseridos.” (Lara, História, 3º Ciclo e Secundário)

“(…) portanto eu não me dei bem com a reforma, não me dei nada bem com a reforma. Sobretudo porque confundi tudo, eu estava com muita vontade de me reformar, estava mesmo com muita vontade de me reformar. E portanto, mal pude, pedi a reforma. O que é que eu não percebi? Eu estava era farta de estar na gestão. E das burocracias da gestão, e das plataformas da gestão, e de não haver professores na gestão. Eu estava farta de resolver problemas que não resolviam coisa nenhuma e de não conseguir estar atenta aos grandes problemas porque não tinha tempo. E queria-me vir embora. E não percebi que eu queria era dar aulas. E percebi isso naqueles dois primeiros, ou três meses, que estive a dar aulas. Ou seja, eu não devia ter pedido a reforma, eu devia simplesmente ter sido professora.” (Maia, Português/Alemão, 3º Ciclo e Secundário)

“E a partir daí a docência tornou-se algo para mim quase como respirar. Eu necessitava dela para respirar, para viver. Por isso essa ligação que eu comecei a ter com os meus alunos, até lhe digo eu estou a pensar nisso porque eu estive em V. do B. para aí sete anos. E  agora, a não ser com pandemia, tivemos que parar isso, mas eu todos os anos me encontro com uma turma, eu e mais dois colegas, me encontro com uma turma, uma ex-turma, digamos, de alunos que eu tive e que agora tem 40 anos ou 45 anos e eles todos os anos fazem questão de nos convidar para o primeiro jantar do ano.” (Virgílio, Português, 3º Ciclo e Secundário)

“Um aluno com perfil de aluno, que colabora com os colegas, que é tolerante, que respeita, que aceita regras, que está, ok, que brinca e que faz asneiras, quando tem que fazer, mas que lute por este… acho que é isso que me enche um bocadinho as medidas e sentir depois que, ok, se calhar contribuiste um bocadinho para que eles fossem melhores pessoas. Acho que um bocadinho por aí.” (Luciana, Educação Física, 3º Ciclo e Secundário)

“Eu digo “ai de um mestre que não seja ultrapassado pelos seus discípulos”. Falhou, falhou naquilo que fez, tem que ser ultrapassado! E tenho alunos que são escritores, escrevem muito bem, publicam livros, tudo isto. E isso é fascinante. E eles perguntam, “mas porque é que o professor não escreveu o seu livro?”, e eu digo-lhes “as páginas do meu livro são vocês, espalhados pelo mundo, vão levando a mensagem” e vão. E é assim que as coisas funcionam.” (Hélder, Português, 3º Ciclo e Secundário)

DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL

Educação de Infância

Noel: “Mas isto ao mesmo tempo revela como estas iniciativas, que são um bocado marginais, mas que ao mesmo tempo podem influenciar o centro. Estas coisas são muito importantes porque há que transgredir determinado tipo de coisa para as coisas evoluírem. Portanto, é evidente que isso tem custos muito elevados. Portanto, inclusivamente até na vida pessoal das pessoas, nós temos que nos afirmar. Mas é interessante verificar como é que uma coisa que vem de uma ocupação de umas instalações, que era uma transgressão e depois quer dizer, o que produzimos pode servir para a formação da segurança social. “

“Então o que é que eu fiz? Em vez de começar com uma reunião de pais, porque aí era como nas igrejas, as pessoas, ouvem o professor a falar e não sei quê, tudo caladinho, saem e fazem a reunião cá fora [risos]. Então eu pensei “ah, não me apanham nessa!”. Então o que é que fiz? Eu tinha lá as inscrições das crianças e fui ter uma conversa, uma entrevista informal, com cada um dos pais – eram 25, não, eram 24 porque havia dois irmãos – no terreno deles para eles poderem ter um ascendente sobre mim. Isso facilitava logo porque é importante a gente ter esta noção que é também uma relação de poder. Quer dizer, isso é muito importante e normalmente as pessoas têm pouca humildade para fazer esse tipo de coisa. Bom, então eu fui ao terreno deles falar com eles, portanto, uns mandavam-me logo entrar, outros era na soleira da porta. E eu não tinha nem papel nem nada. E foi muito interessante esse trabalho, porque por um lado foi o expor-me a eles “aqui estou eu! o que é que quereis dizer? Quais são as vossas expectativas?”, que isso é importante. E foi um trabalho muito moroso.”

Tânia: “O que os educadores podem fazer mais tarde são formações em coordenação ou em gestão. Naquela altura, não havia formação, mesmo, nesta área. Daí que eu tenha tido a necessidade de ir fazer a licenciatura na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, na área de Formação de Adultos porque era a [área] que eu achava que me fazia mais sentido. A seguir fiz o mestrado, também nessa área de Formação de Adultos, para ter mais conhecimentos. Não [em relação a] aspetos pedagógicos, porque felizmente eu estava muito sustentada pelo Movimento da Escola Moderna, muito sustentada com muitos encontros, com muitos congressos, com muita formação. Também pela APEI – a Associação de Profissionais de Educação de Infância. Eu tenho duas associações na minha vida, onde eu fui muito ativa. A APEI… “

1º ciclo

Abel: “Se nós temos um menino com autismo, podemos estudar as teorias todas do autismo… só que ele reage-nos de uma maneira que não está em lado nenhum. Ele reage daquela maneira e nós temos de ter a capacidade de nos moldar e saber como reagir perante essa adversidade. Perceber, por exemplo…  ainda há tempos estava a discutir isso com uma colega. Ela disse: “Um miúdo deu-me um pontapé”. Se calhar, aqui há uns anos atrás, era capaz de dizer-lhe: “Dá-lhe uma palmada.”. Depois, eu disse: “Olha, se ele te deu um pontapé, se calhar é porque gosta muito de ti.”. Quando o menino nos faz isto na escola nós temos que perceber porque é que ele faz. Está a chamar a atenção? Ele teve um problema com os pais? As teorias estão lá, mas temos que ir à experiência buscar isso. E, às vezes, os colegas não querem. Eu não estudei isto nos livros. Sem saber muito, fui estudando, fui lendo umas coisas, leio umas coisas, gosto de ler, se calhar agora menos. Mas aprendi isso conversando com os colegas mais velhos, ouvindo. Acho que os colegas mais novos têm um bocadinho isso, sabem tudo.”

João: “Naquela altura já não havia ninguém a fazer isso. Quando muito, havia o método analítico-sintético que partia da palavra e depois a palavra era composta de sílabas e da sílaba…. mas nós apanhámos gente do Movimento já com abordagens àquilo que na altura se chamava pedagogia de Freinet e método natural.

Dissemos que é o processo, o processo interativo de aprendizagem da escrita.

Parte dos textos das crianças, daquilo que elas dizem. Andamos sempre à procura das coisas que fazem sentido, no campo de trabalho. Quando vim para Setúbal, fui trabalhar para as Vendas de Azeitão, estive lá dois anos e comecei a trabalhar assim, ainda com medo de ir para as análises. E foi um fascínio. (incompreensível) nem os professores nem as famílias percebem como é que as crianças [começam] a ler e vão de vela enfunada por aí fora.”

2.º ciclo

 Iva: “como é que eu fiz construção de texto ao longo da minha carreira, que deu sempre um sucesso imenso? O aluno escrevia três frases. “Ai não consigo escrever mais.”. Então vamos lá pôr as frases no quadro. A turma toda ou um de cada vez vai acrescentar alguma coisa a estas frases. Vinha um que acrescentava dois ou três adjetivos, outro que acrescentava outra ideia e ia-se escrevendo no quadro interativo ou no quadro de giz, isso tanto faz. Ia-se acrescentando aquele texto e enriquecendo. O aluno, que fez só as três linhas, percebia que afinal de contas, isto pode-se acrescentar desta maneira. “Para a próxima vou tentar.”. Digamos, é pôr o aluno em atividade. Se o aluno está passivo… “

Quitéria: “Há situações em que, como hei-de explicar aquilo que eu sinto? Bem, acho que depende um pouco da educação das pessoas e das expectativas em relação à escola e em relação aos filhos, em relação àquilo que querem ser e do respeito que têm. Há pais que dizem, “o meu filho não é bom Matemática”, mas ser bom a Matemática não é genético, não é hereditário, é uma coisa que se trabalha e que se pode melhorar. Há muitos pais que trazem maus momentos do seu percurso escolar e que transmitem isso no percurso escolar dos seus filhos. Ou porque os professores lhe bateram… eu ainda cheguei a ter miúdos a dizerem-me que levavam tareia no primeiro ciclo. Cheguei e ter miúdos que levavam palmadas e umas bofetadas e não sei quê. E depois quando chegava ao quinto ano aquilo era um pós 25 de Abril autêntico, ninguém lhes batia e por isso, como eles estavam habituados a obedecer só quando levavam uma palmada e como ali ninguém lhes batia eles podiam fazer o que queriam, fazer entender que não era preciso nenhuma palmada para eles fazerem o que no fundo era o trabalho deles era muito complicado.”

3.º ciclo e secundário

Camila: “E portanto eu mantive uma turma do secundário que já trazia na altura do décimo ano e continuei no 11.º e ofereci-me como voluntária, até porque queria outros professores que tivessem mérito para lecionar nessa turma, na experiência… Mas foi um problema conseguir a licença para criar -” ah isso é antipedagógico, criar uma turma só de repetentes…ficam isolados” Eu disse ao diretor na altura “o que é mais antipedagógico, criar uma turma em que se trabalha com eles e eles avançam, aprendem e endireitam um bocado a vida escolar ou misturá-los com outros alunos que são obrigados a andar um passo de caracol, ou então nem uns nem outros aproveitam porque as necessidades são completamente diferentes?”

Chico: “A primeira escola foi… É uma escola muito engraçada. Foi a escola que se chamava Escola Preparatória QX. Quando eu cheguei à escola… É muito engraçado… eu não sei se quer que eu conte coisas curiosas…

00:10:17
Entrevistadora: Sim, sim, sim, isso mesmo.

00:10:19
Professor: Eu quando apareci na escola, portanto, eu fiz o terceiro ano. Tinha bacharelato e entrei para o quarto ano do curso e tinha concorrido e, portanto, fui colocado nessa escola.

É uma escola ali no Restelo, uma escola com uma população mista, é uma escola, uma escola muito engraçada. Quando eu cheguei à escola, a escola tinha dois pavilhões prefabricados incendiados. Tinham sido uns miúdos, um grupo de miúdos que incendiou. É engraçado, porquê? Porque nessa altura, na escola houve um grupo de professores… Porque a escola queria expulsar os miúdos. Houve um grupo de professores que se constituiu como um conselho de turma e decidiu oferecer-se para juntar estes miúdos todos e fazer uma turma e trabalhar com eles. É engraçado porque um desses professores era o Domingos Fernandes, era professor de matemática. Sabe quem era o Domingos Fernandes com certeza… É uma pessoa muito conhecida, em avaliação…do Instituto de Educação de Lisboa. Já foi secretário de Estado. É engraçado, por causa disso, que essa foi uma escola assim meia, com estas, esses opostos, não é? Com gente que quer expulsar, expulsar miúdos, e com gente que diz “não não, esses miúdos são connosco”…é uma coisa engraçada. As pessoas andavam de bata por causa do giz.”


DESENVOLVIMENTO ATITUDINAL

Educação de Infância

Guiomar: “Eu disse a ela, “não te preocupes que eu estou aqui, vou ficar sempre ao serviço, mesmo que venha a reforma eu estou sempre cá com vocês.” Comprometi-me a ficar lá. Apesar da reforma ao lado da coordenadora no desenvolvimento de alguns projetos, embora que na retaguarda porque eu não podia assinar nada. Mas ficava a desenvolver e outra qualquer assinava. Era assim o acordo que a gente tinha”

Helia: “Porque é assim, eles tinham a mesma idade, mas cada um tinha o seu interesse. Isto é preciso entender um bocado, não é? Porque nós não somos todos iguais e temos interesses diferentes e depois formatam muito a criança. O trabalho é sempre o mesmo, mas não pode ser porque nós somos diferentes. Nós queremos gente para as várias áreas, não é? Nós tanto queremos poetas como queremos engenheiros, como queremos cavadores, como queremos quem cultive a terra, como queremos quem conduza o autocarro. E há uns que já nascem com potencial de líder fantástico, há outros que nascem para ser mandados e é preciso dar-lhe autoestima, também, para não serem tão submissos e respeitar os outros, mas também manter a posição, exigir que nos respeitem a nós, que isto é o mais complicado. “

1º ciclo

Bruna: “Depois, o maior orgulho que eu tenho é que quando passo pelos meus ex-alunos, todos eles me cumprimentam. Também aqueles que já têm filhos. Fico muito, muito grata por todos eles gostarem que eu fosse professora deles, dos filhos. É prova de que têm um carinho por mim, o que me torna muito, muito feliz. E nunca perco os meus meninos, porque eles saem do 4.º ano [de escolaridade], mas eu apanho-os na catequese. Fico muito feliz quando eles vão para a faculdade, muito feliz. “

Gabriela: “Acho que é fundamental! Acho que é fundamental a família conhecer a escola! Agora, dar tanto poder aos pais dentro da escola, acho que isso reduz em muito o professor e que a profissão do professor ultimamente tem estado muito em baixo, em que os alunos – eu não digo tanto no nosso ciclo – mas que humilham o professor pelo facto de os pais terem tanto poder.”

2.º ciclo

Fernanda: “Fazer com que os alunos tenham um posicionamento crítico, saibam posicionar-se, não sejam indiferentes ao sofrimento, não sejam meninos demasiado egocêntricos hoje porque esse combate ao individualismo e ao egocentrismo é terrível. É muito difícil! Os alunos têm cada vez mais essa tendência e tem sido uma batalha muito grande.

O professor que detém o conhecimento e que o pretende partilhar, mas muitas vezes há situações que são mais importantes que são mais enriquecedoras, são mais produtivas em termos de pessoa humana e construção da pessoa humana, de cidadãos ativos, interventivos, compreensivos, tolerantes, que é marcada exatamente por numa relação pedagógica forte. Uma relação que marca para a vida.”

Rosário: “E saí. Foram três anos, depois eu saí. Porque é que eu saí? Eu saí porque comecei a ver que os meus filhos estavam a ser prejudicados, porque havia alturas em que eu ia para reuniões longe e não via horas para chegar a casa. E eles estavam à janela, à varanda, à espera que eu chegasse. Eu tive de dizer: pronto, acabou, não vale a pena, eu estou a sacrificar os meus filhos e não vale a pena. Tiveram muita pena, acho que a coordenadora máxima até ficou um bocado chateada comigo, porque eu dizia que, precisamente, não tinha tempo e depois logo a seguir fui para o Conselho Diretivo. Então ela dizia: então vai para o Conselho Diretivo? É um bocadinho diferente: o Conselho Diretivo estava perto de casa. Por exemplo, eu lembro-me de Santarém: uma vez eu vinha de Santarém – porque era em diferentes zonas do país – e já eles estavam em lágrimas à espera que eu chegasse. E eu disse: não vale a pena estar a sacrificar os miúdos. E depois olhe, andei por aqui.”

3.º ciclo e secundário

Hélder: “A maior parte creio que sim. Eu tenho aqui registos de alunos que faziam no fim do ano. Normalmente faziam a avaliação e tenho ali alguns que eu fico de boca aberta a ler aquilo. Fico fascinada mesmo com o que os alunos conseguiam escrever. Alguns, claro, já têm 50 anos, agora, e tenho ali esses registos. Acho que sim. Acho que o meu sucesso esteve exatamente no facto de ter tido alunos extraordinários que consegui captar, mas que alguns deles já me conseguiram ultrapassar, felizmente. Eu digo “ai de um mestre que não seja ultrapassado pelos seus discípulos”. Falhou, falhou naquilo que fez, tem que ser ultrapassado! E tenho alunos que são escritores, escrevem muito bem, publicam livros, tudo isto. E isso é fascinante. E eles perguntam “mas porque é que o professor não escreveu o seu livro?”, e eu digo-lhes “as páginas do meu livro são vocês, espalhados pelo mundo, vão levando a mensagem” e vão. E é assim que as coisas funcionam. “

Otávia: “Eles estavam ansiosos por conhecer e por se revelarem e eu aceitava, essa verdade deles. Eles vinham carentes de saber e eles davam tudo. Então, quando cheguei aqui, a Paredes, depois de estágio e de duas escolas, eu senti que estava na terra que eu escolhi. “Com eles quero aprender tudo o que há de melhor sobre esta terra”. Eles colaboraram. Fazíamos reuniões, fazíamos encontros até fora, fazíamos projetos, construíamos projetos.”


DESENVOLVIMENTO COMPORTAMENTAL

Educação de Infância

Ana Rosa: “Fui sempre muito bem aceite pelos pais. O meio era pequeno, muito respeitável, muito, com muito boas relações com os pais. Acho que sempre soube manter uma distância crítica dos pais. Eu acho que estabelecia boas relações sem haver […] Isso sempre soube muito bem estabelecer boas relações com a comunidade, com os pais, com toda a gente, mas sem muita ingenuidade, sem haver uma demasiada proximidade às vezes. Depois, isso também não era muito saudável e havia colegas que, às vezes, tinham outro problema por causa disso. Porque sabe como é que… há sempre pessoas que não sabem muito bem separar as águas. Mas tive sempre muito boas relações com os pais, ainda hoje, porque é a mesma terra. Toda a gente respeita, toda a gente tem boas relações comigo.”

Gina: “Portanto, há coisas de que ele ele teria outra visão. O outro anterior ouvia-nos mais, mas foi positivo, foi interessante. Eu sei que sim, que se tocam, os currículos, eles tocam-se e devem ser conhecidos tanto para os educadores como os professores de 1º ciclo, devem conhecer ambos os currículos. Mas estes encontros tinham uma especificidade tão forte que não, quer dizer eventualmente, poderia haver no mesmo dia para educadores e para professores e depois haver um último dia em que fosse em conjunto. Mas nunca deixar de existir. E os educadores do distrito ainda hoje se recordam dos encontros que nós promovíamos, que era uma equipa, não era só eu, era uma equipa que promovia. Fazíamos concursos de desenhos para o cartaz, para todos os jardins de infância, cá está a arte, as artes aqui com uma influência muito grande. Mas foi muito interessante. Não sei se respondi à sua pergunta.”

1º ciclo

Abel: “Nós aprendemos a dar aulas, digamos assim, entre aspas. Aprendemos a ensinar. Agora obrigam-nos a fazer relatórios, a fazer não sei o quê. Em casa, o tempo que eu poderia estar a preparar uma aula, estou a fazer relatórios sobre não sei quantos. Depois, repetem-se relatórios, as grelhas das escolas – essa parte é a parte que eu detesto. Eu quando comecei a trabalhar – atenção que isso também não é correto. Eu quando comecei a trabalhar, nós tínhamos uma planificação, era assim uma coisa muito pequenina, de duas páginas feitas à mão, numa folha de papel de 35 linhas. Nós íamos copiando de um ano para o outro, tínhamos que copiar tudo, fazendo tabelas de não sei quê e, depois, quando era para dar as notas, nós depositávamos as notas – as notas entre aspas. Nós dizíamos quem eram os alunos que passavam ou não passavam no final do ano. Atenção que isso não é rigorosamente nada, também era muito pouco. Agora eu tenho que justificar se nasceu o sol ou se pousou, se há trovoada, isto é, podíamos ir por outro caminho. Se é bom reter ou se não é bom reter, se é proveitoso para o aluno ou não. Isso não há respostas.”

Carmina: “Assim como se faz o acolhimento aos novos alunos que ingressam no primeiro ano… Temos também na nossa escola os padrinhos e os afilhados. O quarto ano é responsável pelo primeiro ano. Eles sentem-se importantes. “Vocês têm de dar o exemplo!”. E nós também aproveitamos essa parte (risos). Os pequeninos ficam sempre com uma ligação muito engraçada. De 15 em 15 dias, tentamos fazer uma atividade em comum. Este ano já fizemos com a alimentação – provarmos alimentos em comum. Já fizemos Educação Física em comum, já cantamos. Sempre a parte mais lúdica, que eles adoram e dizem: “Já há muito tempo que não vamos aos padrinhos!”. É muito gratificante. “

2.º ciclo

Carmo: “Nessa fase, eu precisava de dinheiro. Eu jogava basket, era treinadora, e ligam-me a perguntar se queria ir dar umas horas [de aulas]. Ele começou a falar comigo de Educação Física, mas ele não me conhecia. Ele é mais novo do que eu, três ou quatro anos, mas disse: “Mas olha, tu és a pessoa ideal! Eu quero começar um projeto sobre obesidade com um professor de Educação Física e eu, só de falar contigo, percebi que és a pessoa ideal!”. Então, desenvolvi, em 1986-87 e 1987-88 – ele era nutricionista e eu era a professora de Educação Física. Depois tínhamos um médico, um endocrinologista. Os três estudamos bastante durante um ano e depois propusemos um projeto a um dos primeiros ginários portugueses. Eles aceitaram o nosso projeto e nós trabalhámos lá durante dois anos, numa lógica integrada. Imagina, um projeto sobre obesidade há 30 anos, quando ninguém falava disso.”

Constança: “Eu tenho uma turma do Projeto Fénix, são miúdos muito fracos – onde está essa menina M., daquela família problemática que agora quer que eu fique lá para ser professora dos filhos – essa turma é muito difícil. São crianças que vêm do bairro e com muitas dificuldades de aprendizagem. Mas eles lá foram. O ano passado foi partir pedra, este ano eu já estou a vê-los a crescer. Isso é uma maravilha e sei que é gratificante. Valeu a pena eu zangar-me com eles o ano passado, eles estão a fazer trabalhos de casa porque já criaram um gosto e isso é que é difícil criar nestes miúdos que já vêm- com frases “Não, eu não sei nada. Não, não quero. Eu não percebo nada e nem sei a tabuada”.”

3.º ciclo e secundário

Eva: “Para tratar Fernando Pessoa e os heterónimos, propus-me em oito aulas abordar Fernando Pessoa, os heterónimos, aquela gente toda. Imagine o que é um auditório com turmas diferentes e eu ali, sozinho. Começou a lição com uma barulheirazinha, a primeira coisa que eu faço é calar-me. Depois eles começam a abrandar e eu falo baixinho, depois ia falar cada vez mais alto e falar cada vez mais alto. Consegui dar as lições todas com os alunos presos do princípio ao fim. Do princípio ao fim! Eu também dizia assim – essa é a poesia de Fernando Pessoa eu tenho tudo na cabeça. Eu não preciso do livro, os poemas de Fernando Pessoa ou do Alberto Caeiro, ou do Álvaro de Campos, ou do Ricardo Reis, ou textos de Bernardo Soares, não preciso – então dizia-lhes “no vosso livro, na página tal e tal têm isto”. Eu não tinha o livro à frente, mas já tinha a lição preparada”

Joana: “Até porque nós tínhamos reuniões setoriais, todas as semanas. O que é que se fazia nessa reunião setorial? Fazíamos o ponto da situação, o que é que eu estou a dar em relação, em função da programação feita previamente. “Eu já dei isto, não dei aquilo. Há uma turma que aceita muito bem, outra que não, que está mais atrasada.”. Confrontávamos todo esse trabalho que estávamos a fazer. Trocávamos até estratégias, porque tínhamos, muitas vezes, alunos com algumas necessidades específicas que precisavam de estratégias diferentes. Nesse aspeto, o meu departamento e o meu grupo trabalhava. Todos nós dávamos notícia da nossa experiência. Os colegas diziam: “Olha, tenho aqui isto. Vê se queres.”. Trocávamos material e sempre funcionou bem”

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